Não era uma tarde solitária.


Faculdade às duas da tarde, e ela nunca chegava no horário. Poucos amigos, pouca leitura, pouco compromisso e uma só vontade. Onde está o sentido de sair de casa todas as tardes? Seus passos seguem rumo à um sobrado, uma torre. Ela tinha as chaves, religiosamente subia as escadas e se instalava no seu mundinho. O quarto, pequeno, escondia toda uma magia impregnada na cama, na escrivaninha, no frigobar e na cômoda onde ficavam além das roupas, a velha TV e muitos livros; estes, espalhavam-se também pela cadeira, chão e cama. Muitas vezes ela preferia ficar deitada, perto da janela que dava para o céu e para a universidade. Ficava a tarde contemplando o céu e de vez em quando, de pé, perto da janela, acompanhava com o olhar sua turma que entrava na sala de aula guiada pelo professor. Outras vezes, o casal de filhotes de gatinhos arranhavam a porta, ao abri-la, ficava boba e ria... Ela sabia o porquê de preferir estar ali, com livros, com a velha TV desligada, às vezes olhando os gatinhos, deitada na cama. Ela não estava só, além daquela brisa perdida, fria, vinda dos confins do Atlântico, havia mais alguém. Tudo era perfeito até a noite encerrar o dia. E quanto ao pequeno príncipe que invadia a "torre", eu prefiro deixar subentendido.

Hoje, reportei-me a quase dez anos atrás ao ler essa frase: "Então como dois anjos fatigados, tragicamente abraçados num recanto solitário de LA, tendo descoberto o que há de mais perfeito e delicioso na vida a dois, dormimos até o fim da tarde". Relembrei de um tempo quase esquecido. Não é muito diferente do instante presente, talvez o problema seja pensar e pensar. O mundo gira, o tempo passa e em certos situações parece que não saio do lugar, aliás, em vários situações da minha vida... me vejo quase como uma personagem de Dostoiévski.
Você sabe.

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“Existem nas recordações de todo homem coisas que ele só revela aos amigos. Há outras que não revela mesmo aos amigos, mas apenas a si próprio, e assim mesmo em segredo. Mas também há, finalmente, coisas que o homem tem medo de desvendar até a si próprio...” (Dostoiévski)